Segunda sessão
— Então, falo de quê?
— Do que quiseres. Mas é melhor não nos tratarmos por tu. Ganha-se intimidade, perde-se distância…
— Não é o mesmo?
— Não, as formas de tratamento têm…
— Não é isso, homem. Ganhar intimidade e perder distância não é o mesmo?
— Penico! assim não se progride, se te pões a questionar tudo!
— Pensei que era essa a ideia desta coisa de encenar a psicanálise. Ou não?
— Sei lá! tu é que tens pena de não ter feito psicanálise, eu só quero ajudar…
— Mas que sentido é que isso faz agora? O que se perdeu está para sempre perdido. O que eu queria, quando disse que tenho pena, era ter tido a oportunidade de chegar ao melhor modo de vida para mim através do meu próprio juízo e da minha própria decisão.
— Não querias mais nada! Autonomia, não?
— Precisamente! Autonomia e liberdade. Em certas condições, a psicanálise é a única via para isso, desperdiçadas ou recusadas todas as outras. E nem te estou a ver à altura do encargo, se queres que te diga. Nem sequer como ficção ou ensaio ou lá o que é.
— Ora… Qual é a dificuldade? É só ficar para aqui sentado, finjo ouvir tudo o que tu dizes com muita atenção, faço uma pergunta ou outra, ao fim dos quarenta e cinco minutos “upa! upa! que acabou a hora!”, e pronto. A bem dizer o trabalho principal é mesmo teu…
— Pois, se calhar tens razão. Mas olha, isto não devia ser confidencial?
— Claro, inteiramente, absolutamente confidencial.
— Então e as vinte ou trinta pessoas que para aqui espreitam diariamente?
— É verdade, não tinha pensado nisso. Vou fechar a porta.