sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Missão cumprida

— Não ficou mal, pois não?
— Não, nada mal. Podemos até mostrar algum orgulho. Legítimo, como sempre se acrescenta.
— Claro, porque o orgulho, se não for legítimo… é ilegítimo!

(risos)

— Gostei particularmente da frase: “Por que raio as palavras só são boas quando assinadas?» E ainda mais da proposta: “Um monumento à palavra desconhecida, já!”
— Espera, que isso está errado, porra! Emenda. Desconhecido é o autor, não a palavra. A “palavra órfã” ficava melhor. Um monumento à palavra órfã, já! Sem pai, sem ninguém que a defenda, que se chegue à frente, como se diz agora. A blogosfera devia ser um imenso espaço democrático de palavras órfãs, que valessem por si mesmas e não pela personalidade de quem as assina. Não pela personalidade ou autoridade do pai que as leva à escola… Uma oportunidade única, caramba.
— Sem dúvida. O problema é sempre o crime. A calúnia, a difamação, o insulto, tudo isso requer um sujeito imputável. As pessoas ficam nervosas quando não há sujeito imputável. O “foi aquele” parece atenuar a gravidade do crime.
— Deve ser influência dos policiais românticos, os do cinema: o ladrão que deixa assinatura, o serial killer que assina pelo modus operandi, o homicida que não descansa enquanto não se sabe que foi ele. O crime assinado tem outro valor, meu caro.
— Outro valor, meu caro, outro valor. Aliás é por isso que a polícia persegue os criminosos e os tribunais os julgam: porque não suportam o anonimato. A ordem não tolera o anonimato. Tem que ser tudo assinado. Até as calúnias…
— O estranho nisto é que a calúnia é uma excepção na tal blogosfera: 99% do que por ali se publica não calunia, não difama, não insulta. Porquê então tanta preocupação? Porquê regular, impor, exigir em função dos abusos, dos desvios, das aberrações?
— Estranho, de facto. E ao mesmo tempo maravilhoso. Tem-se um meio destes, democrático, amplo, vigoroso, capaz de romper rotinas ou derrubar tradições muito velhas, e logo se quer disciplinar. Ou higienizar. Como se o comportamento desviante infectasse tudo…
— Pois, a tal metáfora do “organismo vivo”, como diz aquele português que escreve romances de quinhentas páginas. As pessoas acreditam demasiado nas metáforas. Até as levam à letra! A blogosfera não é um organismo vivo, logo não corre risco de infecção.
— Sim, aquilo são uns sujeitos que se exprimem… obriguem-nos ao anonimato a ver se não se calam.
— Que raio de ideia é essa agora? Pusemos isso no texto? não me lembro.
— Não, não pusemos. Ocorreu-me agora… e por sinal… hmmm… uns sujeitos que se exprimem. Deve ser por isso que não suportam o anonimato.
— Não, homem, a ordem é que não tolera o anonimato. Já assentámos nisso.
— Tens razão. E nós somos contra a ordem.
— Contra!
— A blogosfera é contra a ordem!
— Contra!

A missão urgente

— Chamaste? Disseram-me que querias falar comigo…
— Sim, sim, quero. Voltámos ao activo.
— Voltámos? Os dois? Não dei por nada, e não sei se me apetece…
— Que remédio, meu caro, que remédio. Temos uma missão…
— … credo! uma missão?!
— E urgente! Uma missão urgente.
— Não sei se me apetece. Mas diz lá o que é…
— Defender o anonimato na blogosfera.
— Hmm… não sei se me apetece.