sábado, 18 de fevereiro de 2006

É uma pena aquilo estar deserto

À atenção do Groucho,

Meu caro, não sei se reparou, mas alguém, no outro sítio, anda a iludir o Sr. Mourão, fazendo-se passar pelo meu caro. Houve para uma história de cartas falsas ou falsas cartas, falha-me aqui a certeza, e o Sr. Mourão, a quem pelos vistos também falhou a certeza, ligou para alguém a querer tirar a coisa a limpo. Alguém esse que respondeu por si, meu caro, e, em nome de outro, em seu nome, testemunhando por si, que é outro, ventriloquando a voz que é sua mas ainda assim não é propriamente sua, como nenhuma voz é propriamente de ninguém, usou dos poderes infinitos do simulacro para persuadir o Sr. Mourão de que falava consigo e de que ouvia de si, meu caro, a resposta capaz de diluir todas as dúvidas. Não duvido, cela va sans dire, que uma resposta efectivamente sua, inconfundivelmente sua, irremediavelmente sua, trouxesse o selo e a bênção da certeza aonde a certeza estava em falta. Não, o ponto onde o simulacro se denuncia é outro. Qual? Uma frase, uma frase , esta frase: «É uma pena aquilo estar deserto.» Foi a falha do mistificador. Imaginá-lo a si, meu caro, com pena de aquilo estar deserto. Ou talvez não fosse falha, talvez o impulso gracejador, a compulsão jocosa tenha tomado conta de quem, não porém sem pena de aquilo estar deserto, quis pôr à prova a destreza do Sr. Mourão na discriminação de identidades. Não lhe parece isto indício suficiente para o pôr no rasto do inescrupuloso ficcionista? E, com efeito, não deixa de ter graça essa malícia de supor o meu caro com pena de que aquilo esteja deserto. Que, aliás, não está, cela va aussi sans dire.