Mas, se o tivesse, era para lá pôr coisas como a deste académico brasileiro, Alcir Pécora, a quem pediram um dia que enumerasse dez coisas para fazer antes de morrer, tendo ele respondido isto, que apanhei algures, não posso dizer onde, em vias de ser difundido de forma aparentemente imprópria:
Mudar-me para um lugar habitado por gente capaz de auto-governo (1);
ignorar que governantes ignorantes usam a palavra académico para produzir ofensa, querendo desqualificar alguém como inútil ou incapacitado para a acção (2);
encontrar intelectuais não obnóxios, isto é, que se recusam a pertencer ao corpo místico do reino ou a prestar servidão voluntária a aparelhos partidários (3);
torcer para se esgote o estoque de malandragens com a dialéctica, as quais pretendem justificar a ausência de ética do governo, encobrir a corrupção do governante, ou descobrir algum charme na miséria dos governados (4);
dormir em paz no túmulo do samba, do axé, do pagode, do forró, do carnaval, da cerveja, da macumba e do churrascão (5);
Como crítico literário, gostaria de assistir a alguns milagres no campo da minha profissão:
não topar com Caetano Veloso ou Chico Buarque em nenhuma antologia da poesia ou da prosa brasileira (6);
não achar a palavra jovem ou a palavra geração em nenhuma antologia ou artigo de literatura contemporânea (7);
leccionar num departamento que não subordine o estudo da literatura à ideia de nação ou nacionalidade (8);
ler um suplemento cultural que não tome história, filosofia ou sociologia como melhor ciência ou ficção do que a literatura (9);
escrever crítica de obra sem ser acusado de inimigo do autor, de inimigo dos amigos do autor, de inimigo da instituição do autor, ou enfim, de inimigo tanto de tudo, quanto de todos (10).