O critério maligno
O abominável acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a megera que em Setúbal torturava crianças deficientes tem merecido muita condenação: e até que a acho pouca. Realço o comentário de Manuel António Pina. Mas nunca faltam os palermas que se apressam a dizer “pois, pois, mas atenção, não se verguem ao politicamente correcto [tão monótona, tão cansativa, esta lengalenga estúpida contra o politicamente correcto, sempre na boca de espíritos estreitos a fazerem-se passar por irreverentes, apesar de apenas apostados na defesa do que for retrógrado], não deduzam daí que dar uma palmada [“amena e afectuosa”, como escrevia ontem um leitor nos comentários da edição on line do Público] é errado, não, senhor, não é, até deve ser dada, quando é precisa”, etc. São os discípulos dos juizes do Supremo, que diziam precisamente isso: que a abstenção de bater até pode ser “negligência educacional”.
E não deixou de comparecer o não menos abominável director do Público a dizer o que acha do assunto. Há muito que alguém devia ter interposto uma providência cautelar contra este execrável filodoxo… Pede ele que não se confunda como os juizes confundiram: bater em crianças deficientes é muito chato: podem não perceber o que se pretende com o castigo; já quanto às outras, seria disparatado classificar como maus tratos umas palmadas no rabo. Suponho que o director do Público não corre o risco de adoptar o mesmo critério com os seus jornalistas e passar a distribuir estaladas consoante as falhas, os erros, as faltas que pratiquem. Mesmo salvaguardando os deficientes... Na verdade, só com as crianças se aplica este critério maligno: a natureza da agressão é definida pelo agressor e pela sua intenção declarada ou suposta, sendo de todo irrelevante o modo como o agredido a recebe, percebe e sente. Com as crianças e com os condenados à morte…