Libertar os mortos!
É tempo de libertar os mortos. É tempo de fazer pelos mortos o que tu fizeste pelas mulheres. É tempo de libertar os mortos da autoridade dos vivos, de deixar os mortos comportarem-se como muito bem entenderem e não como querem os vivos. Já pensaste nisso, Henrik? Até para além da vida tens uma obra de emancipação a realizar, a maior de quantas fizeste no mundo. Desejo-te sucesso e, se não acrescento que esta obra de emancipação dos mortos será aquela que verdadeiramente te dará imortalidade, é para não incorrer, também eu, no pecado da estupidez querendo implicar os mortos nos desejos dos vivos. Despacha-te, Henrik. Dá-nos depressa a ver a cena em que os mortos partem, batendo a porta da casa em que os vivos os tratavam como bonecos e se vão, noite adentro, para viver finalmente a sua vida de mortos.
Alberto Savinio, Vida de Henrik Ibsen (Lisboa, Cotovia, 2006, p. 72-73).