sexta-feira, 28 de abril de 2006

De senectute

Acreditem que nunca lamentei ter morrido. Bom, talvez tenha lamentado num certo momento de desespero, quando… melhor não contar. Quero é dizer que lamento agora, e muitíssimo, porque queria e não posso ir pôr o meu nome no abaixo-assinado que pede a permanência de João Bénard da Costa na direcção da Cinemateca. Parece que nem lá faz muita falta, que o objectivo terá sido atingido. Mas lamento. É que sou conservador, sabem? Defendo que o chefe que faz um bom trabalho deve permanecer a fazê-lo enquanto não se aborrecer ou, já agora, enquanto não morrer. Ainda hoje me entristece que Vitorino Magalhães Godinho não continue director da Biblioteca Nacional; ou João Palma-Ferreira, este não obstante ter morrido. Não acabo de entender que se imponha um limite de mandatos consecutivos ao Presidente da República: enquanto ele se sentir lá bem, e tudo estiver bem, não é justo que continue? Aliás, respeito os velhos, aprecio-os mesmo, e nem quero outra companhia, sobretudo aqui, do lado de cá do mistério. Ainda ontem um parvo dum modernista, um desses mortos prematuros que não deixaram exemplo nem obra, gritava que a cultura e as instituições culturais exigem renovação, que a renovação vem da juventude, que o progresso e a própria inteligência pedem mulheres e homens que sabem menos mas ousam mais, que aliás ousam mais porque sabem menos, que sabem menos mas aprendem mais, e por aí fora. Perguntei-lhe se arriscava entregar o governo das universidades à extrema juventude… Não respondeu, claro, porque não podia responder. Quem pode valorizar o ímpeto, o entusiasmo, a energia, a ousadia e a inexperiência da juventude e ignorar sem remorsos os queixumes de um velho que sabe, porque só ele pode saber, que só ele pode… poder? Quem? e sem remorsos? Hein?!