Nunca seremos cotas*!
— Lá andam outra vez a malhar na escola…
— São os cotas, meu, são os cotas. Lê as indignações a propósito desta coisa bizarra de não avaliar erros ortográficos não sei em que ano: estão cheias de advérbios, "hoje", "agora", "antes".
— Bem observado, são os cotas, meu: "no meu tempo levava nas orelhas se trocava um s por um z, agora os meninos brincam e têm todos os direitos"… Aproveitam qualquer merdice para anunciar que, quando eles morrerem, vai ficar tudo perdido e estragado e arruinado e o mundo entregue à canalha infantil e adolescente.
— São os cotas, meu, são os cotas. Invejosos como o raio, acham-se muito sabidos e são afinal broncos ao ponto de repetirem o lugar-comum mais velho do mundo…
— Isso, essa coisa de "no meu tempo…." por oposição a "agora". "No meu tempo" é que se aprendia, "hoje" ninguém sabe nada… isso data de quando? da Idade Média? Ou já havia cotas em Roma?
— Os cotas, meu, os cotas estão por todo o lado e em todas as épocas… Deve ter havido muito pterodáctilo cota. E os de hoje, então… Quantos deles sabem ao certo o que é ortografia? quantos não confundem grafia com ortografia? quantos acham que a língua morre com um erro de ortografia? quantos não se embaraçam na colocação dos pronomes? quantos não trocam alegremente um conjuntivo por um indicativo…?
— São cotas, meu, são cotas, já lhes falha a cabecinha…
— Também vamos ficar assim quando chegarmos à idade deles?
— 'Tás parvo! nós nunca chegaremos à idade deles, porque nós não temos idade, e quando lá chegarmos, já não vamos saber que tivemos um dia a idade que temos hoje, e por aí fora. Nunca seremos cotas!
— 'pera, meu, 'pera aí! Não será quotas?