sábado, 26 de maio de 2007

Mas este blogue não acabou?

Suponhamos que não. Suponhamos que este blogue não acabou. Este, pelo menos, não acabou. Uma suposição é uma suposição, quer dizer, um princípio de construção. (No restaurante, ou na televisão, diriam: uma suposição vale o que vale, procedimento de tautologia despectiva, por analogia com as sondagens, as declarações de um ministro ou os vaticínios da astrologia; persistem entretanto várias coisas, aliás muitas, que nem chegam a valer o que valem). Suponhamos, então. E a sério, se não acabou, sejamos sérios.

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Une chose réussie est une transformation d'une chose manqué.

Donc une chose manquée n'est manquée que par abandon.

Paul Valéry, Tel Quel.


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Ser sério, então (suponhamos), leva-nos a esta construção: nenhum blogue acaba, ou nunca se pode saber quando acabou. Apenas se abandona. Ou apenas se pode saber que foi abandonado. Mas nem sequer se pode saber com plena certeza que estamos a abandoná-lo: não, pelo menos, no momento do abandono, se se dá num momento.

Vá lá, sejamos sérios: a pergunta "mas este blogue não acabou?" tem de ser rescrita assim: "mas não é legítima a suposição de que este blogue foi abandonado?" (Resposta correcta esperada: raramente.)

(Aliás, quem poderia abandoná-lo?)

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Un poème n'est jamais achevé — c'est toujours un accident que le termine, c'est-a-dire qui le donne au public.


Paul Valéry, Tel Quel.

Vá lá, sejamos sérios: a comparação não presta. O poema é dado ao público quando acabado, ou porque considerado acabado, ou porque abandonado pelo poeta. O poeta abandona o poema: fórmula precisa para descrever a publicação. O blogue abandonado, ao invés, é aquele em que ninguém publica, em que alguém cessa a publicação; abandonar o blogue significa deixar de publicar, renunciar a publicar, desistir de publicar.

E se o blogue continuasse sozinho? Um blogue é interminável, melhor dizendo, invulnerável ao abandono; a qualquer momento aquele que o abandonou regressa, acarinha-o, e fica mais uns tempos por ali.

Então, a pergunta "mas este blogue não acabou?" tem de ser reconsiderada como pergunta sem sentido. Ou impertinente. Sejamos sérios, carago.