Agora a parte que não é reconfortante
— Continuo a pensar naquilo, não consigo libertar-me daquelas frases, a repetirem-se, a repetirem-se doidas…
— Mas qual é o problema, afinal? Há coisas piores…
— Haverá? Haverá? És capaz de dizer isso assim tranquilamente, como quem fala da chuva ou dalguma eleição municipal? És?!
— Pelos vistos, tudo indica que sim. Qual é ao certo o problema?
— Tenho de explicar? Primeiro, descobrimos que vivemos num blogue. Somos mortos num blogue.
— Sim, já sei, o efeito ou a síndroma Buzz Lightyear. Pensei que tinhas ultrapassado isso…
— E ultrapassei, claramente, sem restos, sem resquícios, sem vestígios, sem traumas…
— Afortunado, muito afortunado.
— Pois, pois, mas agora, sem mais nem menos, descubro que, de uma forma ou de outra, estamos sempre dentro de uma história e que as histórias, e essa é que é a grande merda, pertencem sempre a um género qualquer. Inexoravelmente.
— Não descobriste, aprendeste. Mas pouco, aprendeste pouco. Um "pouco" importante, é certo: aprendeste a necessidade de redescrever o banal "todos temos uma história" num mais acutilante "todos pertencemos a uma história de certo género".
— E isso é pouco? Estou destroçado, porra!...
— Sem razão, porque essa é a parte reconfortante, afinal. A destroçante, como dizes, é que, dada a inexorabilidade do género, que não se define pela nossa historinha, nem se incomoda com ela, nenhum de nós pode escolher o género da história em que está.
— Não vais dizer que é por isso, exactamente por isso que este blogue não acaba?
— Como é que adivinhaste?! Essa é a conclusão lógica, sim.