sexta-feira, 30 de março de 2007

Televisão e tragédia

— Anda para lá meio mundo a debater, e outro meio a não querer debater, aquele concurso ou lá o que é, em que ganhou o Salazar.
— Ouvi falar. Chegou aqui ontem um desgraçado que contou mais ou menos tudo. Ouvi-o a dizer ao Aristides: Foste um herói, mas não fizeste nada por Portugal. Claro, não? Só é grande português quem faz alguma coisa por Portugal. O nacionalismo é sempre estreito…
— Mas está certo, homem. Repara bem: o português é definido por.. Portugal. O país dá-lhe um traço de identidade, coisa enorme, património, riqueza inestimável. E ele tem de retribuir: será grande ou pequeno conforme a retribuição.
— Enfastiam-me, essas tuas subtilezas parvas. Não se consegue manter nenhuma conversa de jeito. Chiça! Penico!
— Chapéu de coco, sapatos de ténis, colete de fantasia, ó écloga, Zé Pinto Basto, sua cadela está mais magra do que um cão.
— Isso pelo menos não tem nada de subtil…
— Nada. Mas tem calma, televisão é televisão, tem um efeito, como direi, teatral, catártico, higiénico mesmo, arrisco mais: educativo.
— Não me repitas a treta de que ias ler um livro para o lado quando a ligavam…
— Não, nada disso. Tenho outra definição da televisão: é a possibilidade de estarmos na nossa sala, tranquilos, protegidos, a ver pessoas que não gostaríamos mesmo nada de ter na vizinhança.
— Isso é mais ou menos o mesmo que dizer que vale para nós o que a tragédia representava para os gregos.
— Qual mais ou menos! é exactamente o mesmo. Ou seria... se não fosse só uma piada.