sexta-feira, 12 de maio de 2006

Espelhos

A crónica de hoje do nosso Manuel António Pina é extraordinária: um rosto para o medo, escreve ele. E termina perguntando aquilo sobre o rosto do desconhecido, da infância: se se pode chegar a vê-lo por arte da ciência, um dia. Pergunto-me eu se lhe terá ocorrido a história, que conta Guimarães Rosa, daquele homem que foi treinando para eliminar do respectivo reflexo no espelho todo o elemento acessório, espúrio, desprezível, até que primeiro chegou o dia em que viu nada, e depois o dia em que viu, sobressaindo do nada, "o ainda-nem-rosto — quase delineado apenas — mal emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento abissal... E era não mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino, só". "O espelho", justamente, é o título dessa história, das Primeiras Estórias. Ter-lhe-á ocorrido? ao nosso Manuel António Pina...