quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Vozes

— Aquele Mourão — lembras-te dele? entrou já no fim — é que tem dito coisas pertinentes a respeito do assunto Günter Grass.
— Muito pertinentes. Tenho seguido. Curioso como tudo calha sempre no mesmo ponto…
— Sim, sei o que vais dizer. As pessoas lêem, mas esquecem-se de que lêem livros, não outras pessoas. Lêem sempre convencidos de que ouvem a voz de outros, homens e mulheres, autores, autoras…
— Era bom que ficasse por aí. É que, para fazerem isso, têm de ler os livros ouvindo vozes, mas vozes de mortos, de gente já morta, assim como nós ambos, percebes? E um dia sobressaltam-se muito quando algum incidente lhes mostra que afinal estão vivos, não são mortos nem aceitam que lhes imputem vozes.
— Triste, muito triste ver a literatura chegar ao fim sem ter conseguido educar os leitores.
— Ora, que disparate! isso nem dum morto se aceita…
— Mas fica bonito, ou não?