Cúmplices ou rivais?
Desconfio que tenho exagerado as vantagens da morte. Compreensível, parece-me: nesta condição de morto, o decisivo é aceitar — e sempre se aceita melhor dourando a pílula. Quem engoliria a pílula se não fosse dourada? Hein? Mas vai nisso algum exagero, porque os inconvenientes saltam à cara aqui e ali. Hoje, por exemplo, o que eu não daria para ter um corpo, corpito, fraco e magro que fosse, para sentar o cu numa das cadeiras do auditório da Casa Fernando Pessoa onde se irá tentar responder à pergunta “Blogues e livros: cúmplices ou rivais?” Um dos tentadores é o grande crítico, o mesmo sim, o mesmo que há poucas semanas declarou que nunca lia blogues e que assim mesmo é apresentado: “que diz não ler blogues”. Não hei-de ter uma curiosidade enorme de saber o que poderá ele então dizer de relevante? O que assim se prova é que a curiosidade é imaterial, incorporal, puramente espiritual, mas não transportável. E agora que reparo nesta conclusão, reparo também e de seguida que já ganhei com o debate qualquer coisa que talvez não ganhasse se lá pudesse ir. Além de que, entretanto, o Eduardo Pitta sempre há-de contar alguma coisita... Não, volto ao princípio, há muita vantagem em estar morto.