domingo, 10 de junho de 2007

Blogue interrompido

— As probabilidades de fuga são nulas. Esta coisa é… ontológica.
— Ontológica? Ser figura de blogue é coisa ontológica? Estar aqui preso é ontológico?
— Sim, pelo menos enquanto o blogue não acabar.
— O que já concluímos não acontecer, nem agora nem nunca.
— Nem nunca, dizes bem. Blogues de vivos podem acabar, ou melhor, podem ser interrompidos. O bloguista morre atropelado…
— Ou apaixona-se por uma polícia de trânsito e deixa de ter tempo para escrever…
— Ou a bloguista! não te esqueças das mulheres, a bloguista desenvolve uma fantasia em que o blogue cresce, cresce e acaba por dominar-lhe a vida, o trabalho, os amigos, o cão e o gato, e só fica fumo, cinza, lodo e coisa nenhuma, e ela coitada, desesperada, aturdida, paralisada…
— Vai às compras?
— Por exemplo. Mas eu ia dizer que deixa de escrever, deixa de postar, como eles dizem, perdão, como elas dizem. Deixa de postar.
— E o blogue passa a blogue interrompido.
— Bom nome para um blogue, não te parece? O blogue interrompido, ou apenas blogue interrompido…
— Não te esqueças dos itálicos.
— Outra ideia bem boa era alguém fingir que continuava um blogue deixado em estado de interrupção pela bloguista. Já agora, um cão. O cão da bloguista começava a postar depois de a dona sair de casa. E punha-lhe em público a vida íntima toda…
— Toda?! Como pode o cão saber-lhe a vida íntima toda? Nem ela sabe, que diabo!
— Ficção, homem! Acaso os cães escrevem blogues?
— Mas qual é a vantagem de uma ficção assente numa ilusão estúpida?
— O cão escrever não é estúpido e conhecer a vida íntima da dona já é?
— Sim, é, muito estúpido mesmo. E mesquinho. Esse cão é a prosopopeia do homem vulgar.Homem vivo, claro, não falo de nós dois.
— Hmm… entendo, entendo, não falas de nós dois… e como poderias tu falar de nós dois? Acaso sabes quem somos?
— Não interessa. Li ontem que o Michel Foucault tem dito que não se trata de saber quem somos mas de recusar quem somos. Não me esqueci do itálico e até sei dizer isto em francês, imagina! tanto gostei da frase…
— É muito boa, completamente anti-edipiana.
— Calma, que isso dá outro post.