— Parte-se-nos o coração, ver aquilo deserto, aqueles dois tristes ali abandonados…
— Acredito. Mas o ponto é: aprenderam a lição?
— Sim, sim, aprenderam, temos a certeza que aprenderam. Já podemos voltar, pode acreditar, podemos voltar.
— Está bem, seja. Os senhores conhecem-nos melhor do que eu. Vou deixar que voltem. Mas Deus me livre de ver que tudo volta ao mesmo, ouviram?
— Sim, sim, Deus nos livre, Deus nos livre.
domingo, 19 de fevereiro de 2006
O regresso (verso)
O regresso (frente)
— Parte-se-nos o coração, ver aquilo deserto, aqueles dois tristes ali abandonados…
— Acredito. Mas o ponto é: aprenderam a lição?
— Sim, sim, aprendemos, queremos voltar, queremos voltar.
— Está bem, seja, vou deixar que voltem. Mas Deus me livre de ver que tudo volta ao mesmo, ouviram?
— Sim, sim, Deus nos livre, Deus nos livre.
sábado, 18 de fevereiro de 2006
É uma pena aquilo estar deserto
À
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006
Eco lógico
- Aquém não há quem!
- Nem além há!
- Sem ninguém, ninguém vem!
- Quem vem?
- Vem alguém sem ninguém.
- Vem?
- Sim, vem assim.
- Assim, com a água?
- Com a mágoa?
- Com o som do sim.
- O eco que ecoa.
- E canta.
- Eco ecoador.
- Cantador.
- Que coa.
- Os passos.
- A dor.
- Que bate contra a parede!
- Que cai no chão!
- E ressoa no tecto!
- A sala vazia.
- Quem está?
- Quem está lá?
- Aí, quem está?
- Quem está aí, está?
- E aquém?
- Quem?
-
- Aquém não há quem!
- Nem além há!
- Sem ninguém, ninguém vem!
- Quem vem?
- Vem alguém sem ninguém.
- Vem?
- Sim, vem assim.
- Assim, com a água?
- Com a mágoa?
- Com o som do sim.
- O eco que ecoa.
- E canta.
- Eco ecoador.
- Cantador.
- Que coa.
- Os passos.
- A dor.
- Que bate contra a parede!
- Que cai no chão!
- E ressoa no tecto!
- A sala vazia.
- Quem está?
- Quem está lá?
- Aí, quem está?
- Quem está aí, está?
- E aquém?
- Quem?
Raspar de novo, nº8*

* 11.000.000 de unidades de informação p/segundo, administrar as perdas.
Um tipo de raciocínio de que eu, por acaso pá, gosto à brava
Se A, num
1
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006
Afortunadamente
Adivinha (reencaminhada )
À superior atenção do Luís Mourão:
Num mundo superiormente letrado — seguramente aquele que se seguirá à aplicação, plena e eficaz, do chamado processo de Bolonha —, seria possível, perdão, será possível, aos almanaques de jornal ou aos blogues como este, inserirem desafios, na forma de adivinha, em vez de tópicos de reflexão:
Com que razão se pode afirmar que o sentido crítico do moderno entrou na literatura portuguesa quando Camilo, nas vésperas da publicação em livro do Crime do Padre Amaro e numa carta ao Visconde de Ouguela, disse de Eça: “Este rapaz vem tomar a vanguarda de todos os romancistas. É um admirável observador e conquanto faça pouco caso das imunidades da língua tem a arte de fazer admiráveis defeitos”?
(Note-se o termo vanguarda, mas não é por isso. Que me dizem a “imunidades” da língua? É possível fazer pouco caso delas e ainda assim fazer coisas admiráveis, sobretudo para quem fazia muito caso das “imunidades” da língua? E que arte é essa que produz coisas admiráveis pela violação, pela ignorância ou pelo desdém das “imunidades” da língua?)
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006
O herdeiro
Cum feris ferus
Foi má ideia
É evidente que, ao contrário do que se profetizou, este assunto não vai morrer tão cedo. Está a morrer gente antes de morrer o assunto.
Atenção: só porque eu disse três vezes "morrer", não significa que esteja a pensar no embaixador do Irão em Lisboa. Não. Quando eu penso nele e na cambada a que ele pertence, penso, não três vezes na mesma palavra, mas em três palavras que em português é como se fosse só uma. Ah sim, eu também sei fazer contas!
Stelarc: a terceira mão

«Our actions and ideas are essentially determined by our physiology. We are at the limits of philosophy, not only because we are at the limits of language. Philosophy is fundamentally grounded in our physiology . . .»
terça-feira, 14 de fevereiro de 2006
Da inteligência quando movida por Ibsen, 2
Da inteligência quando movida por Ibsen, 1
Se as penas ...
quiser que tanto tempo viva delas
que veja escuro o lume das estrelas
em cuja vista o meu se acende e mata;
e se o tempo, que tudo desbarata,
secar as frescas rosas sem colhê-las,
mostrando a linda cor das tranças belas,
mudada de ouro fino em bela prata;
vereis, Senhora, então também mudado
o pensamento e aspereza vossa,
quando não sirva já sua mudança.
Suspirareis então pelo passado,
em tempo quando executar-se possa
em vosso arrepender minha vingança.
Luís de Camões
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006
Problema de cão
Proponho-me denominar problema de cão o problema que embaraça o cidadão compelido — por outro ou por si mesmo, pelas circunstâncias ou pelo hábito — a decidir se determinado “enunciado alheio” (EA) que lhe foi dirigido pertence ou não ao conjunto que, por comodidade e provisoriamente, designarei “enunciados humorísticos inofensivos” (EHI).
a) O conjunto dos EHI não é um subconjunto do conjunto dos “enunciados humorísticos” (EH), pois tal pressuporia que EH abrigaria outro subconjunto, o dos “enunciados humorísticos ofensivos” (EHO), o qual naturalmente não existe (pode existir, porém, artificialmente) enquanto subconjunto.
b) A necessidade da alínea anterior ficará óbvia lá mais para diante.

§2
A denominação problema de cão tem razão histórica, quer dizer, deriva de uma história contada por Fania Pascal, que conheceu Wittgenstein em Cambridge, em 1930. Dele conta este episódio: “I had my tonsils out and was in the Evelyn Nursing Home feeling sorry for my self. Wittgenstein called. I croaked: ‘I feel just like a dog that has been run over.’ He was disgusted: ‘You don’t know what a dog that has been run over feels like.’”
Harry G. Frankfurt discute este gracioso episódio com outros propósitos. (Daí a ilustração escolhida.) Mas não deixa de formular o problema de cão: Wittgenstein estaria a fazer graça, para animar a pessoa a quem se dirigia, ou a pessoa a quem se dirigia tinha “boas razões” (cf. §3) para presumir que Wittgenstein não estaria a fazer graça mas a censurá-la por dizer um disparate? (Daí o cão, daí o problema. )
§3
O que são “boas razões” ou que razões poderão ser “boas” no contexto particular em que o cidadão decide que certo enunciado alheio não pertence a EHI? (Cf. § 4)
§4
Proponho que nenhuma razão pode ser reputada “boa” no contexto particular em que o cidadão decide que certo enunciado alheio não pertence a EHI. Apenas podemos descrever simulacros de “boas razões”.
Primeira descrição: o cidadão em causa testemunhou actos do enunciador em causa (ou seja, no exemplo oferecido, Wittgenstein) em que se repete o mesmo traço, deduzindo da repetição um princípio de plausibilidade que autoriza a interpretação. Na verdade é ao contrário: a plausibilidade requerida é que constitui repetição a sucessão de traços. Neste sentido, o problema de cão deveria ser redescrito como o problema de Séneca (cf. § 5).
§5
O mais frequente simulacro autorizador da decisão de exclusão de EHI deixa-se redescrever pelo lugar-comum “quem não te conhecer que te compre”.
Deus me perdoe se o ofendo, mas que asco!
José Manuel Fernandes, o que pedia bom senso, grita agora que fazem guerra contra "nós", no Público, hoje mesmo, que asco! Quem somos "nós" afinal? Os sensatos? Os apoiantes do ministo Freitas? Os que dele escarneceram? O clube de fãs da Merche Romero? Os sócios do Belenenses? Arre, que asco!
domingo, 12 de fevereiro de 2006
Aos que vierem:
Os que vierem deverão saber que são herdeiros e hão-de reclamar a herança. (Aprimorar a noção de herança.)
Duas componentes:
A escrita requer uma ideia, mas a ideia de escrita é uma forma. Conversa, carta, bilhete, aforismo, citação: a forma organiza, produz — a forma antes da vulgar expressão.
A escrita produz acontecimentos: episódios, peripécias, intriga — além da vulgar expressão.
Os que vierem saberão reclamar a herança. Eu fico por aqui.
Valha-me Deus! é lindo!
Alexandre Soares Silva
Lindo, não é? Sabem, claro, que o saci é preto, usa touquinha e só tem uma perna. Sabem isso, claro.
sábado, 11 de fevereiro de 2006
A mão de Deus
Espero
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006
Deus me perdoe se a ofendo, mas que asco!
Ana Gomes, no Público, hoje mesmo, que asco!
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006
Sente-se! ouça!
— !!
— Não resista! sente-se! ouça! Quero transmitir-lhe uma ideia, ideia simples, coisa de nada, porém importante. Demasiado importante para ficar aqui sozinha, pendurada no cérebro de quem a concebeu, e não me refiro ao meu: sabia que é impossível determinar com rigor o cérebro que concebeu uma ideia...? são tantos os que se apresentam a concurso, entende?
— !!
— Não resista! ouça! A ideia é… a respeito da blogosfera…
— !!
— Sente-se! ouça! É lastimável que a blogosfera abrigue ideias obnóxias — mas inevitável. A tendência forte dos bloguistas é para fazerem nos blogues o que fariam noutros lados, se tivessem lados, outros, onde fazerem alguma coisa. Isso, apenas isso explica a frequência com que se vê escrito: este debate não leva a lado nenhum. Dito assim, por escrito, com veemência, concisão, como diagnóstico seguro e inexorável do pior cancro dos debates: não levarem a lado nenhum. Estes teleológos de bolso acham que tudo se avalia pelo fim, e ficam à espera que acabe para avaliarem: com a pressa, dão em profetas minúsculos, declarando de antemão que o fim não presta, ou não chegará nunca.
— !!
— Sente-se! nada de objecções! não lhas permito! O debate na blogosfera, a bem dizer nenhum debate se pode avaliar pela eficácia de produzir resultados: que lugar é esse onde se pretende chegar? Conclusões? Consensos? Descobertas? Todo o debate, meu caro — não se levante, espere um bocado, por favor —, todo o debate é movimento, acção, deslocação. Os mesmos blogues deviam ser mais acção do que expressão, mais intriga do que opinião. Acontecer, fazer acontecer: produzir factos, inventar! Delicio-me com pontos de admiração, o senhor não? O debate é um agregado de factos antes de levar a algum lado: é alimentá-lo enquanto dura, acarinhá-lo, tomar conta dele, não o deixar degenerar, meter-se em drogas, perder dinheiro no jogo ou com mulheres… perdão, divago, não se vá embora, ouça, sente-se, não resista… ainda não acabei, espere, e os jornais…
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006
Deus me perdoe se o ofendo, mas que asco!
(Pedro Rolo Duarte, no Diário de Notícias, hoje mesmo, que asco! Levou "pancada" há dois anos por causa de um texto em que defendia que os blogues eram só para quem não tinha lugar nos jornais. Agora confessa a tentação de criar o dele... E aquela "blogoEsfera", santo Deus, que asco!)
Sejamos claros
Entretanto...
... não acredito que o negrume moral se não exprima na degradação dos traços. Estou de acordo com aquele franciscano (ou seria dominicano?) que se referia a certo lente de Coimbra, reputado badocha, dizendo que o arcaboiço do corpo exteriorizava a envergadura do espírito (ou seria ao contrário). Mas isso era elogio. E sincero (embora exagerado, senão errado). Eu prefiro o desprezo; ou, como sempre dizia um dos casmurros, o menoscabo. E aí, Deus me perdoe se o negrume moral e a decadência intelectual se não se exprimem na degradação dos traços: sem precisão de caricatura.
Conto tonto
Pobre actor
Que freme e treme o seu papel no palco
E logo sai de cena. Um conto tonto
Dito por um idiota — som e fúria, signi-
Ficando nada.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2006
Deus dá a barba a uns e a vergonha a outros!
Não, não, não esclareça nada, deixe isso para os outros.
Asco, sim, asco daquilo mesmo que ali se vê. Ou pensa que lancei mão da "arma visual" para ornamentar? As imagens matam mesmo? A degradação dos traços, santo Deus! a degradação dos traços...
Esclarecimento
É no que dá isto dos blogues, ter que esclarecer. Mas vá, querida Clara: decerto o que lhe causa asco é o desarrumado da prosa, a confusão de noções e conceitos, a lógica torcida, as muitas gralhas, a pontuação...
Deus me perdoe se o ofendo, mas que asco!
Eduardo Prado Coelho, Público, hoje mesmo, que asco!
É nestas alturas...
Outra verdade revelada
A verdade revelada
Como é possível que ninguém tivesse percebido isto? E o perigo, o anúncio do perigo? Sim, tudo é possível, estamos à mercê da deriva sem limites... sobretudo os blogues, raios os partam. Quando põem os olhos na imprensa séria, responsável e sensata, hein?
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006
Tentações, incompreensões
Há mais de meio ano que peço a Deus que me livre da tentação de abrir um blogue. (Também eu resisto bem a tudo menos às tentações.) Em todo o caso, nunca publicaria nada que eu próprio tivesse escrito. Não, apenas citações, coisas que outros tenham dito ou escrito e mereçam ser lembradas e difundidas. Um blogue antológico. Não propriamente um blogue de antologia. Já há muitos a queixarem-se de que os não lêem com o cuidado requerido. Que os não compreendem…. Terrível, esta angústia da incompreensão. Ou da insuficiência. Será tão importante assim, para quem, por impulso genuíno, escreve, ser compreendido?
Dez coisas para fazer antes de morrer
Mas, se o tivesse, era para lá pôr coisas como a deste académico brasileiro, Alcir Pécora, a quem pediram um dia que enumerasse dez coisas para fazer antes de morrer, tendo ele respondido isto, que apanhei algures, não posso dizer onde, em vias de ser difundido de forma aparentemente imprópria:
Mudar-me para um lugar habitado por gente capaz de auto-governo (1);
ignorar que governantes ignorantes usam a palavra académico para produzir ofensa, querendo desqualificar alguém como inútil ou incapacitado para a acção (2);
encontrar intelectuais não obnóxios, isto é, que se recusam a pertencer ao corpo místico do reino ou a prestar servidão voluntária a aparelhos partidários (3);
torcer para se esgote o estoque de malandragens com a dialéctica, as quais pretendem justificar a ausência de ética do governo, encobrir a corrupção do governante, ou descobrir algum charme na miséria dos governados (4);
dormir em paz no túmulo do samba, do axé, do pagode, do forró, do carnaval, da cerveja, da macumba e do churrascão (5);
Como crítico literário, gostaria de assistir a alguns milagres no campo da minha profissão:
não topar com Caetano Veloso ou Chico Buarque em nenhuma antologia da poesia ou da prosa brasileira (6);
não achar a palavra jovem ou a palavra geração em nenhuma antologia ou artigo de literatura contemporânea (7);
leccionar num departamento que não subordine o estudo da literatura à ideia de nação ou nacionalidade (8);
ler um suplemento cultural que não tome história, filosofia ou sociologia como melhor ciência ou ficção do que a literatura (9);
escrever crítica de obra sem ser acusado de inimigo do autor, de inimigo dos amigos do autor, de inimigo da instituição do autor, ou enfim, de inimigo tanto de tudo, quanto de todos (10).